Explicar para um leigo como funciona o sistema punitivo no Direito brasileiro nunca foi tão difícil. A lei já não é clara e seus aplicadores a complicam mais ainda.
Em primeiro lugar, há a acusação, que norteia o processo penal. É o pedido condenatório formulado quase sempre pelo Ministério Público que irá fixar os limites daquilo que será discutido na ação penal. Geralmente o Promotor se embasa em um inquérito policial para formular a denúncia, que é o pedido de condenação do réu que, citado, vai se defender dos estritos termos da acusação. Significa dizer, se o MP afirma que Joaquim roubou, pouco importa se Joaquim é indigente ou abastado, se estava embriagado ou sob efeito de drogas, se é primário ou reincidente. O que importará na ação penal é descobrir se ele roubou ou não. E o ônus da prova disso é da acusação. Não só a certeza da inocência absolve o réu, mas a dúvida também o faz. Não fui eu quem o disse, mas um jurista italiano: a pena deve pesar não sobre o réu, mas sobre aquele que é certamente o réu, certamente e induvidosamente o culpado.
Só com esta certeza absoluta, depois de colhidas as provas, o juiz poderá condenar. Mesmo assim, graças a um labirinto de normas e entendimentos e garantias constitucionais, não é isso que levará Joaquim, o nosso réu do exemplo, à punição. Essa condenação para valer deverá ser confirmada por um Tribunal Recursal, um colegiado de magistrados. Antes disso, não se pode falar em culpa dado o princípio constitucional da presunção da inocência. Mas a coisa não para aí: agora se discute no STF e nas mesas de bar que nem mesmo essa confirmação da condenação é suficiente. Seria imprescindível o esgotamento de todas as enormes e inúmeras plêiades recursais para que então, e só então, se pudesse considerar alguém culpado, condenando e punindo. Dá pra entender uma barafunda dessa?
Após recursos e mais recursos, argumentos dialéticos pra cá e pra lá, uma tour interminável do processo pelos tribunais, advém a inexorável prescrição e, dela, a inevitável impunidade. É por isso que se briga pela efetividade jurisdicional: condenou-prendeu e absolveu-soltou. Quem quiser mais precaução, vá lá: a condenação tem que ser confirmada por um Tribunal.
Tudo bem, é um raciocínio honesto, prudência e canja de galinha são sempre bons. Agora, ir além disso, entremear o processo em um caudaloso pântano recursal, um labirinto jurídico kafkiano, é impedir a punição do culpado. Vejo nisso a vontade oculta de fazer com que o Estado não funcione. A firme obsessão de sabotar a cidadania e fulminar mais ainda a credibilidade da justiça penal.